quarta-feira, 21 de outubro de 2015

A CULPA É DO ESPANTALHO

Estranho desejo nosso de querer alguém para si. Querer um outro para andar junto é a maior falácia que contamos a nós mesmos. Ninguém entra em um relacionamento de mãos vazias, nunca, jamais. Ninguém quer o outro na verdade, o que se deseja é que o outro carregue sobre si as expectativas que trazemos conosco.

Todos nós relacionamos na verdade é com tais expectativas, projetadas descaradamente no outro, tentando condicioná-lo à margem de um ideal de perfeição criado a partir de nossas carências e fantasias.

Apesar de usar o outro como espantalho para que nossa plantação de sonhos cresça e prospere, nós nunca estamos preparados para ser o espantalho do nosso outro, isto porque, a relação deveria ser dialética, mas na prática, vence o que tem mais argumentos, e sujeita-se quem é mais carente.

Toda relação é construída. Nada nasce pronto. E tudo isso tende a ficar bem mais complicado quando misturamos nesse caldeirão, resquícios de dores e insatisfações vivenciados em outras relações, com, digamos, espantalhos mais vivos e potencialmente ferozes.

Se fosse dedicar a escrever apenas sobre os desajustes das relações afetivas, gastaria palavras a fio, pois grandes são os fatores conflituosos que afetam duas pessoas que pensam, sentem e agem diferentes.

O mundo está repleto de pessoas seriamente machucadas em suas almas; ferimentos estes tão profundos a ponto de porem em cheque a habilidade de crer e esperar pelo melhor. 

Muitos relacionamentos estão fadados ao fracasso não pelas divergências, mas muito mais, diria, pelos resquícios de uma relação desastrosa vivida no passado, cujo prejuízo ressoa de forma atemporal e faz com que os participes da ocasião projetem no presente as mesmas frustrações.

Não existe um ponto único  a ser delineado sobre o que causa a falência das relações. De fato, algumas já nascem fadadas à extinção. O que discordo é sobre as causas. 

Todo mundo quer ser feliz, mas nem todos se propõem a semear a felicidade. 

Vejamos a parábola do semeador: 
"E falou-lhe de muitas coisas por parábolas, dizendo: Eis que o semeador saiu a semear.
E, quando semeava, uma parte da semente caiu ao pé do caminho, e vieram as aves, e comeram-na; E outra parte caiu em pedregais, onde não havia terra bastante, e logo nasceu, porque não tinha terra funda; Mas, vindo o sol, queimou-se, e secou-se, porque não tinha raiz.
E outra caiu entre espinhos, e os espinhos cresceram e sufocaram-na.
E outra caiu em boa terra, e deu fruto: um a cem, outro a sessenta e outro a trinta." (Mateus 13:3-8)

O semeador saiu a semear. Essa atitude de semear só parte de quem conhece a sua semente, pois todo o que semeia vislumbra antes o fruto de sua ação.

Tem gente que quer colher, mas não tem semente boa para semear. Não se preocupa em qualificar, olhar para si e procurar com toda limpidez enxergar onde e no que precisa se tornar alguém melhor.

Notemos que a partir do momento que o semeador passou a lançar as sementes, houve uma sucessão de fracassos ocasionados pelo lugar onde a semente caiu.

Você pode até entrar em uma relação com a melhor das intenções, amando, respeitando e procurando ser o melhor para o seu par, mas se este não estiver apto para recebê-lo, meu amigo... Seu sacrifício será em vão!

Semente nenhuma resiste a um coração aberto, sem fronteiras, por onde recorrentemente passam pessoas e coisas; ali o amor será facilmente digerido por um terceiro.

Um coração de pedra é um coração indisposto, contrário ao citado anteriormente. Impenetrável, enrijecido. Naquela rocha, ainda que se semeie, nada irá permanecer, pois não há terra, não há disposição! Assim, no menor sinal de crise, a intolerância a frustração mostrará que para além de todo esforço, infelizmente, nada criou raízes.

O coração espinhoso é aquele coração disposto, mas sufocante. Uma pessoa assim aposta todas as suas expectativas em um amor, atribuindo somente a ele a responsabilidade de construção. Assim, não se preocupa com seus espinhos, e sem perceber, de tanto atingir o outro, ferí-lo, a relação se esgota.

Mas há semente que caiu em terra boa e deu fruto, funcionou.
Acredito que a terra boa dentro deste contexto vigore mais a título de inspiração, uma vez que não acredito em uma terra boa sem antes passar pelo devido preparo. 

A vida planta muitas ervas daninhas na gente. Se não tivermos o devido cuidado com o nosso coração, por melhor que a semente seja, nada irá brotar.

Terra boa ao meu ver não é alguém pronto para relacionar, pois como disse, isso é uma falácia. Mas alguém disposto a acreditar que a relação pode dar certo.

Amar alguém é entender seu coração. É querer cuidar da terra por acreditar que ali ainda pode nascer uma grande história.

Mas como toda relação é bilateral, apenas crer ou querer ficar não basta. É necessário que haja reciprocidade. As duas partes precisam alinhar suas visões.

No jogo do amor não há nem melhor e nem pior. Há sementes e ambientes onde as sementes caem. Simples assim.
Pare de fazer do outro seu espantalho e ocupe-se em fazê-lo entender que precisa ser terra boa. Esse entendimento carece ser reciproco.


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