sábado, 23 de fevereiro de 2019

A ÉTICA DA GENEROSIDADE

Tempos atrás eu vi uma propaganda de um banco que oferecia um pacote de serviços incentivando o empreendedorismo, que me espantou.

A propaganda tinha por fim comover exaltando o humanismo por detrás de qualquer acordo firmado. Dizia que a pessoa jurídica é antes de jurídica uma pessoa. Dizia mais ou menos assim: “Paulo, Maria, Teresa. São tantos nomes por trás de qualquer empresa, mas não são todos os bancos que enxergam dessa maneira”. E continuava: “Mais do que um CNPJ,  a pessoa é uma parceira. Apoiar e incentivar o empreendedorismo, (lá) não ficaria apenas no pensamento”. E terminava com a famosa frase de efeito: “O que a gente pode fazer por você, hoje!”.

Nunca pensei que chegaria um dia em que uma empresa que visa única e exclusivamente lucro, fosse ensinar as pessoas sobre humanismo nas relações.

Que me perdoem o termo, mas que “merda” hein?! Acharmos sentido em uma propaganda de banco que nos diz que devemos ser mais humanos naquilo que fazemos. 

E o impacto dessa estratégia ousada de descobrir novas soluções para velhos problemas relacionados à natureza humana, propondo repensar as velhas relações humanas para resolver problemas novos, parece ter dado resultados. Só no ano em que a instituição investiu nessa estratégia de marketing, ela alcançou um crescimento de 36% em seus lucros atingindo um patamar recorde para o banco.

E sabe por quê? Porque falou ao nosso íntimo. Esfregou, assim, de leve, uma realidade na nossa cara.
Somos um povo na sua grande maioria correto, que sabe que tudo se alcança com suor e sacrifício. Isso é bom, é bacana. Fazemos o que precisa ser feito, e pronto, podemos repousar nossa cabeça ao travesseiro com a sensação de que estamos no caminho certo.

Mas será? Será que estamos de fato, trilhando este caminho de uma forma correta?

Na propaganda do banco, diz que somos humanos antes de sermos qualquer outro tipo de coisa. 

Somos humanos antes de sermos profissionais, empresários ou administradores da nossa própria renda. Mas eu pergunto, onde está essa humanidade quando estamos caminhando na rua e alguém nos aborda pedindo um dinheiro, e nem paramos para ouvi-lo, porque deve ser um drogado ou um malandro.

Onde está nossa humanidade quando não conseguimos nem cumprimentar o nosso vizinho, que em tese, está mais próximo a nós do que muitas outras pessoas.

Que humanidade é essa que não ajuda em nenhuma obra assistencial, não divide o que se possui e nem coopera com o crescimento das outras pessoas?

Eu acho triste aprender sobre generosidade com um banco.

Conheço pessoas que passam monitorando poupanças e economizando para ter uma reserva. Nada contra essa sábia e prudente postura. Mas algumas dessas mesmas pessoas acham uma bobeira viajar nas férias e construir boas lembranças que seus filhos carregarão para o resto de suas vidas.  Muitas só participam de festas e convenções familiares quando a iniciativa parte do outro, daquele coitado gastador.

A generosidade não deveria ser posto como um valor, por que para essas pessoas, o que é de valor deve ser guardado, preservado, e nunca utilizado.

Sabe aquela tia que guarda o melhor aparelho de jantar no sótão por achar que os jantares corriqueiros não fazem jus ao uso daquela valiosa louça? Falsa expectativa de um futuro pronto. Daí ela guarda a louça e ao reproduzir esse comportamento, acaba achando a rotina banal e com isso não percebe o desgaste da relação. Logo, ela  é traída, o marido vai embora, os filhos crescidos também saem de casa e resta ela, o gato de estimação, e o aparelho de jantar guardado no sótão.

Generosidade não deve ser vista como um valor, mas sim como uma conduta. Generosidade é empírica, feita na prática. Pensamentos generosos que não são manifestos são só uma forma de se desculpar pela nossa natureza mesquinha.

Generosidade acontece quando você valoriza mais gente do que coisa. 

É sintomática, é aquilo que se faz por impulso. Quando se percebe cumprimentar pessoas na rua, no trabalho, quando se esta atento aos olhares, buscando contato com as Ongs que podem fazer algo pelos cães abandonados da rua, por exemplo.

Generosidade é quando eu reconheço qualquer esforço do outro, por menor ou mais insignificante que ele pareça ser.

Generosidade não é desprezar o valor do dinheiro não, pelo contrário, é ter consciência do seu valor. Ao rachar a conta da lanchonete com um amigo, por exemplo, devo ter em mente se aquela parte que coube a ele fará mais diferença na minha carteira ou na dele? Eu abdiquei do que por aquilo? E ele?
Generosidade é a irmã gêmea da empatia.  Estão atreladas. 

Um dos aspectos ruins da índole generosa é o abuso com que muitos a tratam. Existem pessoas folgadas, acomodadas, preguiçosas e principalmente mal agradecidas. Mas todas essas deficiências pertencem a elas. São elas que precisam melhorar evoluir como seres humanos. 

O generoso que deixa de ser generoso em nome da falha do outro nega a si mesmo. É como querer sacrificar o boi devido aos seus muitos carrapatos. 

Por último, cumpre destacar que a generosidade é a ética cristã de quem diz praticar o bem.
Amar o próximo até o limite do que é justo, não é o exemplo que o Cristo deixou. Ele fez a mais, se diminuiu por quem nem merecia.

A ética cristã põe Deus acima de tudo e o próximo no mesmo patamar que nós. Logo, a história dos “bazares beneficentes” é uma desculpa escrachada para eu descartar o que não me serve e ficar com a “falsa” sensação de que eu fiz o bem. Mentira! Se você tira algo que não lhe serve, não deve servir a seu irmão também, porque ele não está abaixo de você, e sim, no mesmo lugar.

Tratar o outro com o mesmo cuidado com que nos tratamos é libertador! E faz parte da dor e da delícia de se existir.

Que tal repensar a finalidade daquele dinheiro que está guardado lá naquele banco que quer te ensinar a ser generoso?

As verdades cruéis são na verdade as mais motivadoras!

“A fé sem obras é morta.” (Tg 2: 26)
 

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