domingo, 15 de novembro de 2015

O MENINO NO CONSULTÓRIO: UMA REFLEXÃO ENTRE A QUEDA E AS PONTES!

-Hei menino, comporte-se! Ouviu-se de uma mãe, às 3 da tarde na sala de espera de um consultório dentário. Eu ali, a observar a cena: um menino de uns 5 ou 6 anos, funcionando como se estivesse conectado a várias pilhas Duracell, daquelas bem grossas, totalmente inquieto. Fuçava nas revistas, nas franjas da almofada. Coçava o pescoço, chupava os dedos. Exigia o aparelho celular da mãe. Parecia incontrolável, até que resolveu saltar do sofá, caindo de lado, quase quebrando a clavícula.
-Bem feito! Quem manda não sossegar! Disse ela com um tom áspero. -Agora não chora, olha o moço olhando ali ó.
Nessa altura meu incomodo transformara em admiração pela cena. De um lado um menino agitado, procurando algo que lhe prendesse a atenção. Do outro, uma mãe, preocupada demais com suas prioridades. E eu, expectador assíduo do comportamento humano, infiltrado na cena como meio paliativo de constrangimento.

Sabe o que observei? Que todos nós trazemos a mesma inquietação do menino dentro de nós. Vez ou outra encontramos algo que nos pareça atrativo e ali fincamos nossas estacas, erguemos nossa tenda e habitamos.

Mas cá entre nós, esse algo tem que ser definitivamente muito atraente para nos manter. Acredito que se não fosse pelo poder sobrenatural da nossa idealização, nada seria verdadeiramente suficiente para nos manter. Como no exemplo:  as revistas com fotografias variadas seriam um porre de chatas, as franjas das almofadas nos propiciariam imbecilidade  e o sofá teria sua funcionalidade deturpada. Ao invés de assento estático, uma base para voos.

Talvez aos 5 anos nada do mundo adulto nos impressione. Nada naquele consultório causava identificação ao garoto, logo, seus fricotes se davam em nome do desajuste ambiental. Não havia como este estabelecer ponte alguma com nada.

Curioso é que mesmo aos 20, aos 30 continuamos com os tais fricotes. Se perdemos as pontes, ficamos doidos. Regredimos muitas vezes ao comportamento que tínhamos na fase anterior a que nos encontramos. Fazemos as nossas birras, bastante dissimuladas em prol dos nossos anseios. 

Quando perdemos as pontes com o outro com que nos identificamos, nosso humor se altera e parece que nada nos agrada.  E se prosseguimos dando vazão a esta angustia, talvez o desfecho seja trágico.

O menino se aquietou somente após o tombo. Teve que sentir dor.
O afeto que solucionou toda aquela ânsia não foi-lhe agradável, contudo, necessário.

Pude perceber que minha presença só foi notada pelo pequeno após o senso de publicidade que seu choro lhe propôs, e, é claro, em decorrência do anúncio em tom punitivo da mãe.

Mas é assim mesmo. Ficamos tão soltos, sem referência, que muitas vezes é necessário um tombo para nos regular. Um tropeço, um passo em falso, qualquer coisa do tipo.

Caímos pela inconsequência, pela loucura, pela arrogância e principalmente pela ausência de referenciais. As pontes são  laços com uma realidade muitas vezes até inventada, mas que nos segura diante de tantos impulsos.

Quanto a mãe, esta pode simbolizar o grande outro, a quem costumamos nos referir quando expurgamos nossas responsabilidades.

A mãe é o Deus culpado por nos deixar cair. É o marido ou a esposa que afrouxaram a relação decadente; é a chuva que resolveu molhar o dia de praia.

Ela estava presente, e mesmo que contivesse o menino em todos os seus intentos, não conseguiria dominá-lo, pois seus impulsos eram todos de ordem interna. 

Deus não é culpado de nossas falências, ainda que achemos assim. Ele jamais amordaçaria nossa boca, quebraria nossas pernas ou nos faria incapazes de realizar aquilo que queremos. 

Deus é a mãe que orienta, que indica. O risco é sempre nosso. Mesmo quando o culpamos de tudo, Ele continua sendo Deus e nós os passíveis do prejuízo.

Mesmo quando achamos Deus apático a nossa causa, experimenta cair para ver. É Ele que nos socorre, ainda que subjetivamente.

E o desconhecido observador, o que seria? Exatamente o que se propõe a ser. Alguém que nos permita voltar ao eixo.

Uma verdade há tempos desprezada: Podemos resistir a nós mesmos, aos nossos fracassos, até mesmo a Deus. Mas haveremos sim de nos render ao olhar do desconhecido!

Por isso a novidade de vida faz tanta diferença em nós. Um novo olhar sobre nós, sobre nossa causa (muitas vezes incompreendida), traz tonicidade à nossa inquietação.

O desconhecido nos permite conter os impulsos e traz consigo uma ideia sobre o que somos. O desconhecido quebra as resistências do tédio e transforma qualquer rotina massante em uma novidade.

Talvez se aquele menino tivesse me notado no consultório, nós poderíamos estabelecer uma ponte, uma vez que mesmo sendo inapropriado para o local, cogitei a hipótese de entregar-lhe uma bala que trazia no bolso.

Dura coisa é perceber o desconhecido. Muitas vezes estamos tão envoltos em nosso mundinho que tudo que difere a esta realidade fica imperceptivel.

Mas o novo vem. Ou melhor, pode já estar ai. Observe bem!

"Lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós. 
(1 Pedro 5:7)












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